samedi 20 septembre 2008

brinde à merda

hoje não me interessam as letras maiúsculas. os princípios. quaisquer princípios.
só vou saber falar de finais.
hoje sou outra vez como aquele imenso mar cinza, escuro. impenetrável. em quaisquer sentidos.
voltei a ser aquele mar seco por dentro, e nele me perdi.
me perdi...
de que é que eu falava mesmo? de amor? não. já não amo há tanto tempo. já não saberia falar de amor.
de lembranças? acho que não. é que elas estão hoje tão pálidas... disformes...
acontece que... não me lembro mais.
de lágrimas? já derramei todas elas por ti há mais de quinze anos atrás. não sobrou nada. só esse vasto mar seco que se estende à tua frente agora. vês? antes era mar de águas turvas, das desgraçadas lágrimas choradas por ti. por cada puta que tu olhaste descaradamente e por cada vez que baixaste os olhos quando eu queria que tivesses dito a verdade.
pois é, meu ex grande amor. meu ex grande primeiro amor. as lágrimas apodreceram. e foram tragadas por esta terra ingrata. impura. infértil. infértil como eu agora.
minha cabeça gira... que horas são? cinco e vinte da manhã? ainda?? que porra, as horas não passam. não vão passar nunca mais.
não vão passar nunca mais sem ti.
estás vendo? não sei mais escrever, não sei mais falar. e não me importo. não me importo com a forma, com a merda do traçado das linhas, com a porra da sonoridade das frases, com a riqueza filha da puta das minhas composições. quero mais é tudo torto mesmo. tudo borrado.
muito mais a minha cara agora.

se eu bebi? bebi sim. veneno. o veneno que pingou dos teus cabelos negros debaixo daquela chuva quando, indiferente, viraste o rosto à minha saudade e seguiste andando. chovia tanto... e chove agora. só pra me fazer lembrar aquela minha música preferida. a que eu nunca mais cantei.
pode ir, a outra te espera. espera abanando o rabinho e fazendo pose. porque é sempre assim: o mundo, no fim das contas, é mesmo das putas. basta empinar a bunda, insinuar o decote praticamente inexistente de tão baixo, de tão baixo quanto seus princípios, quanto seu caráter. basta não pensar. basta não ter nada de que se orgulhar além de um enorme traseiro.
traseiro... lembrei!
lembrei: ia falar de merda.
disso entendo agora. poderia até proferir uma palestra sobre a merda. poderia dissertar horas e horas sem fim... sobre a merda. entenda literalmente, entenda como quiser. poderia falar sobre a merda da política. sobre a merda da economia. sobre a merda da falta de ética e da falta de respeito. sobre a merda da falta de amor no mundo. sobre a merda da falta de amor. sobre a merda da minha vida. sobre a pura, simples, merda.

ah, a merda.
ah, à merda.

ninguém vai querer me ouvir falar sobre a merda.
ergo então um copo barato cheio de veneno e faço um brinde à merda.
breve homenagem.
bela merda.

merde a l'amour.


as cortinas se fecharam lentamente velando o palco negro, meu rosto pálido borrado de lágrimas no escuro.
ninguém aplaudiu a cena.
o teatro estava vazio.
virei o copo de uma vez, o veneno desceu queimando.
e então sequei.
e então não amei mais ninguém.

3 commentaires:

Anonyme a dit…

O elogio que a mim foi dirigido, passo adiante. Pois aqui você rasgou suas vestes, cortou sua pele, deixou sangrar cada letra, cada palavra, gritou a plenos pulmões sem precisar abrir a boca. Toda escrita deveria ser assim, escarrada, sincera. Toda escrita deveria ser feita com o sangue e o pus das nossas feridas. Ergo o meu copo e então... vamos brindar!

Camille a dit…

Sangrei muito menos do que gostaria... queria sangrar tudo, até secar as feridas antigas, até me esgotar, até virar do avesso e nascer com uma face nova, pra uma vida nova.
Outras hemorragias virão. Outros brindes virão. E já me sinto outra.

Salut!

Maurício Fonseca a dit…

Salut,

vive la merde

Gostei muito